domingo, 18 de junho de 2017

Espejo

El espejo esta pintado
con colores muy extrañas
no conozco ese quadro
pero me duele las entrañas
Tengo miedo de mira-lo,
pero lo veo en el escuro
y de ojos cerrados
yo estoy tan solo...

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Jörg Baumbach

Escutou o som de um trovão. Em seguida o som de uma guitarra distorcida. Era o som de seu despertador tocando "raining blood" da banda Slayer. Ela acordou de ressaca, com a boca seca e com a cabeça doendo. Gemeu dolorosamente, recusando aceitar que estava acordada. Deu um suspiro frustrado quando Tom Araya começou a cantar: "Trapped in purgatory. A lifeless object, alive...". Sentiu que não conseguiria voltar a dormir, mesmo que tentasse. Então abriu as pálpebras com um pouco de esforço, sentindo os olhos secos e a vista embaçada.
Alexandre estava deitado de bruços ao seu lado, expondo a galeria de arte que eram o conjunto de tatuagens em suas costas musculosas. A coberta estava jogada sobre sua perna esquerda, revelando sua justa cueca boxer vermelha. Ele estava com o rosto afundado no travesseiro e parecia estar dormindo.
Ela esfregou as mãos no rosto, tentando enxergar com mais nitidez. "Você dormiu aqui?" ela perguntou com a voz rouca. Sentiu a garganta arranhar. Eram as doses de jägameister deixando uma lembrancinha da noite passada. Vendo que Alexandre não se mexeu, ela encostou o pé na costela dele e chacoalhou seu corpo "Ei!" ela tentou chamar sua atenção. Suspirou irritada ao ver que ele não reagiu. "EI! Você precisa ir embora!" ela disse chutando Alexandre nas costelas, fazendo ele cair da cama. Acordando, tentou se segurar tarde demais no lençol, caindo no chão e levando a roupa de cama com ele.
Ela levantou e foi para a sala, desligar o despertador. Eram seis da manha. O sol ainda não tinha nascido. A chuva caia forte do lado de fora do apartamento. Houve uma tempestade durante a noite. Abriu o armário em busca de sua caixa de cereal.
"Por que você programou o despertador pra uma hora dessas?" Protestou Alexandre, prendendo os dedos no emaranhado que era seu cabelo cor de ébano.
"Eu tenho aula. Você precisa ir embora" ela repetiu.
"Você nunca vai pra aula!" ele exclamou, estendendo os braços, indignado.
"E é por isso que eu tenho que ir hoje. Estou estourada em falta". Ela disse enchendo ruidosamente uma cumbuca de cereal.
Ela foi até a geladeira e se abaixou para procurar a garrafa de leite de soja. Pegou o leite, fechou a porta da geladeira e se deparou com Alexandre de braços cruzados. Ela decidiu ignorar e foi até seu pote de cereal, enchendo a cumbuca e escutando o som do leite que saía da garrafa fazendo "glub glub glub".
"Você precisa ter cuidado para os cracudos da Trajano não acabarem fumando esse seu coração de pedra" Alexandre disse abrindo a geladeira em busca de ovos para fazer uma omelete "onde tem uma frigideira?" perguntou. Ela apontou para o armário logo atrás de onde ele estava.
"Eu vou passar café para mim. Você quer?" ela perguntou virando os olhos, aborrecida.
"Agora sim um pouco de cortesia" ele disse quebrando os ovos na frigideira. "Quero sim, por favor"
Ela foi até a cafeteria elétrica e colocou uma colher de café dentro do compartimento do filtro. Fechou ele colocou a água.
Vanderlei chegou na cozinha e foi cumprimentar Alexandre, dando pequenas lambidas em sua perna. Alexandre cumprimentou o cachorro afagando sua cabeça, sem tirar os olhos da frigideira.
O café ficou pronto. Ela serviu em duas canecas. Uma das canecas era de ferro esmaltado com as bordas escurecidas. A outra era uma caneca simples de cerâmica decorada com as figuras de snoopy e woodstock. Alexandre serviu o omelete em um dos pratos da pia que estava limpo. Abriu uma gaveta onde, pela lógica universal das cozinhas, encontrou talheres. Foi até a bancada para sentar.
"Ah, por que minha perna está doendo tanto? Cacete!" ele se assustou olhando olhando para a própria perna "Você tatuou um pinto na minha perna?!"  exclamou sem acreditar.
Ela deixou um pequeno sorriso de satisfação escapar de seus lábios. Com os olhos vidrados no cereal respondeu "Isso não é um pinto qualquer. É um dickbutt. Você disse que eu podia tatuar o que eu quisesse" disse antes de enfiar uma colherada de cereal na boca.
"É um pinto com rosto e asas" ele disse olhando decepcionado para a figura de duas polegadas no alto de sua coxa.
"Esquece, você não passa tempo o suficiente na internet para entender. De qualquer forma, é *cof cof* minúsculo. Se quiser pode simplesmente cobrir com outra tatuagem ou tirar *cof cof* com lazer", disse sendo interrompida por uma leve crise de tosse com gosto de jägameister, "Não é como se fosse atrapalhar sua vida nem nada" concluiu.
Fritz Hans pulou na bancada da cozinha e miou impacientemente, pedindo por café da manhã. Como todo gato pelado, o metabolismo de Fritz Hans era muito acelerado e isso fazia com que tivesse fome de duas em duas horas.
Ela pegou o gato no colo, sentindo sua pele de pêssego morna. Então, pegou a ração dele de dentro do armário. Serviu no pote de comida e deixou que ele comesse.
Pegou a caneca de café com duas mãos, esquentando os dedos gelados pela madrugada. Sentiu o cheiro do café, seu vapor quente aquecendo seu rosto. Bebeu um gole e deixou que a bebida funcionasse como vasodilatador, mandando a ressaca para longe de seus vasos sanguíneos da cabeça.
"Talvez eu guarde ele por um tempo como cicatriz de batalha" disse Alexandre encarando a própria caneca de café, com um misto de desgosto e aceitação.
Ela terminou de comer enquanto Alexandre havia acabado de começar. Deu comida para Vanderlei, que saiu do lado da visita com o rabo abanando de empolgação diante de sua refeição matinal.
"Eu vou me arrumar para sair, preciso pegar o ônibus as seis e quarenta." ela disse guardando o saco de ração.
Foi em direção ao quarto e antes de fechar a porta, olhou sobre o ombro e recomendou "lave bem essa tatuagem, para não pegar uma infecção. Acho que você entende o suficiente dos melhores procedimentos para isso. Sabonete neutro, água morna, deixar a pele respirar, etc".
Ela entrou no quarto e separou uma roupa para enfrentar o dia: Jeans, um par te coturnos pretos, uma camiseta de manga curta, um moletom e por cima uma jaqueta de couro. Deixou as roupas em cima da cama e foi para o banheiro. Ligou o chuveiro com água quente. Tirou a camiseta que estava usando e a calcinha. Jogou as roupas em um cesto de roupa suja improvisado que consistia em uma lixeira de vime. Olhou o rosto no espelho e viu que estava com olheiras e olhos vermelhos. Passou a mão nos cabelos raspados, pensando se já estavam crescidos o suficiente para raspa-los novamente. O espelho embaçou.
Ela entrou no chuveiro sentindo o vapor quente abrindo seus poros e entrou de baixo da água corrente, com um suspiro de prazer. Sentiu a agua escorrendo em sua cabeça, levando o mal-estar da ressaca aos poucos. Abriu os lábios e deixou a boca se encher de água. Fez um bochecho, sentindo o gosto da agua doce.
Quando já estava seca e vestida saiu do quarto. Alexandre já tinha recolhido as coisas dele e ido embora, poupando os dois de uma despedida constrangedora. Vanderlei bocejou, ganindo.
Ela saiu, trancando o apartamento. Ainda estava chovendo então ela tentou se proteger da água andando em baixo da marquise, mas era impossível evitar ficar molhada. Por isso os coturnos eram ideal para esse tipo de tempo. Eram altos e impermeáveis, ideais para as calçadas irregulares Curitibanas.
Esperou no ponto de ônibus com as mãos dentro do bolso. Haviam mais duas pessoas esperando no ponto, mas não entraram com ela.
Ela foi de pé, se controlando para não dormir. O ônibus estava silencioso, ela decidiu não usar os fones de ouvido. Quase uma hora depois chegou na universidade. Entrou apática na antiga construção e foi até sua sala. Alguns olhares curiosos a seguiam enquanto ela se encaminhava para o fundo da sala. Talvez não lembrassem que ela estudava na mesma sala que eles.
Ela tinha duas alternativas: Ou dormia e corria o risco de não responder a chamada ou procurava coisas aleatórias no seu computador. Prestar atenção na aula estava fora de cogitação.
Decidiu ir pela segunda opção. Abriu suas contas nas inúmeras redes sociais que participava. Nada de interessante. Até pensou em começar a ler um livro ou ver um filme com legendas, mas teve outra ideia.
Abriu o buscador do google e procurou por "Syrenka". Primeiramente não encontrou nada que fosse referente ao caso do aparecimento do corpo. Encontrou várias fotos de monumentos na cidade de Varsóvia, Polônia. Também encontrou uma coletânea de mitos e lendas com várias versões da mesma historia protagonizada por um pescador e uma criatura mitológica semelhante a uma ninfa da água ou mais frequentemente por uma sereia. Essa criatura era um ser de natureza misteriosa, aparecendo e desaparecendo repentinamente, causando uma mistura de medo e fascínio em todos com que cruza. Ela percebeu que estava indo longe demais na pesquisa quando se deparou com um site de pornografia polonesa.
Decidiu mudar a forma de pesquisa. Buscou por "Caso Syrenka Curitiba". A quantidade de buscas diminuiu drasticamente e a quantidade de material relevante mais ainda. Apenas alguns Blogs traziam artigos com manchetes como "Trinta e dois anos e o caso Syrenka permanece um grande mistério" ou "trinta anos da morte do investigador Jörg Baumbach, encontrado morto depois de ter feito autópsia para caso Syrenka". Entretanto o material ainda era muito raso, não dizia nada.
Ao contrario de elucidar o caso as páginas da internet traziam teorias conspiratórias sem qualquer fundamento ou prova fática. Era mais comum que escritores usassem o caso como inspiração para histórias de terror do que de fato informar o leitor sobre o que ocorreu na fatídica manhã em que um corpo foi encontrado queimado sem ninguém ter reportado o desaparecimento de um amigo ou parente. Muito menos sobre a morte inexplicável do médico legista Jörg Baumbach, encontrado morto em casa com um tiro na cabeça. De acordo com uma noticia de um jornal digital, publicada em 2005, a causa mortis que constou na certidão de falecimento do legista foi suicídio. Sua filha, quando entrevistada, respondeu que a família nunca aceitou a versão da polícia.


(Fritz Haber, o Donskoy, ao lado de uma garrafa de Jäger)