Levantei conformado. Peguei meus pães e fui andando para o escritório em que eu costumo arranjar uns serviços. Comi um dos pães, enquanto ainda estava quentinho. Foi meu almoço.
Andei mais um pouco. Não. Eu não tinha me conformado. Eu queria aquela caderneta. Eu precisava dela. Sim, dela. A luz dos olhos coloridos daquela garota quase me segava. Eu não sabia por onde estava andando. Quase bati na porta do escritório. Um colega meu de infância trabalhava lá. Livrei-o já de alguns problemas quando ainda éramos crianças. E por isso eu podia contar com ele. Só para isso, imagino eu, era uma emergência. Fuji andando muito rápido (só para não dizer correndo) até um certo escritório, algumas quadras dali. Não sabia exatamente sua função, mais algo me dizia eu era de contabilidade.
Controlei-me para não puxar ele pelo colarinho e gritar. Acenei, ele olhou para mim e respondeu com um sinal de cabeça. “ Preciso da sua ajuda” eu falei com a voz meio tremula. Ele olhou para mim por cima da lente dos óculos. Que olhar era aquele? Incredibilidade? Má fé? Em fim, não tinha tempo para isso, o resto da frase veio naturalmente: “Preciso por um anuncio no jornal” ele pareceu meio surpreso “Vai me ajudar?” perguntei sem tentar parecer impaciente, apesar de estar.
Ele me ajudou. Não posso descrever os momentos de angustia que passei. A tarde toda esperando... Fazendo ligações. Forçando “obrigadas” até a voz ficar amarga. Mais finalmente, consegui publicar o seguinte anuncio:
“Procura-se aflitivamente um pobre caderninho azul que tem escrita na capa a palavra “endereços” e dentro está sujo, rabiscado e velho”.
Pequeno, mais não havia mais muito que se falar. Dei o endereço do meu apartamento. E fui buscar um café para o pessoal do escritório na rua de baixo em troca de alguns reais.
Quase não dormi. Até mesmo o dia 13 virou o dia do azar. Até mesmo o 13! Porque me abandonastes? Passei grande parte da noite olhando para o teto, e pensando naquela menina linda. Cada vês mais convencido deque ela fora um sonho.
Dia seguinte, acordei, fui até a pia gotejante e enferrujada do meu banheiro. Abri a torneira e esperei que a água marrom saísse para limpar a cara com a água beje-trasparente-claro. A água era estupidamente gelada, e fez com que eu sentisse dor na ponta dos dedos por algum tempo. Mais não era maior do que a dor que eu sentia por dentro, como um caroço na garganta. Ela não era real?
Já era meio dia quando eu desci para a rua e ventava muito devido mudança de temperatura da hora do almoço. Almoço para os outros. Eu não ia comer. Não tinha fome.
Caminhei, meio desanimado, pelas ruas disformes e movimentadas, gélidas, cinzentas e antipáticas da cidade. Até o ponto de ônibus. Minha barba gelava o rosto, e não era espessa o suficiente para impedir que o vento batesse forte na minha cara. Enfiei as mãos no fundo dos bolsos e abaixei minha cara para dentro do casaco quase.
Escutei uma risada jovial. Eu conhecia aquela voz. Olhei para o lado. Lá estava ela, com sua boina portuguesa amarela, um jornal debaixo do braço e uma caderneta azul na mão. Ela estendeu a caderneta para mim. “Esqueceu isso ontem no ônibus”. Eu ia começar a agradecer sem parar, então ela me mostrou o anúncio no jornal. O meu anúncio. Riu mais um pouco e completou “Não está só sujo e rabiscado, tem uns desenhos e umas observações bem interessantes ai dentro”.
Eu estava perplexo. Quase boquiaberto. Eu não conseguia me concentrar olhando para ela. E não conseguia conceber que ela tenha lido o conteúdo de dentro do meu caderninho (graças a Deus, não escrevi nada sobre ela lá dentro). Tão extasiado, tão nervoso, que só consegui balbuciar um “obrigado” débil, enquanto a porta do ônibus se fechava e ele sumia na esquina. Deixando-me para trás, com a caderneta azul na mão.
Senti como se tivesse levado um soco. No completo vácuo. Olhei para a caderneta. Sim ela era real. Senti o sangue subia até minha cabeça, em um estopim de adrenalina. Agora já não sentia mais frio. Comecei a correr o mais rápido que pude. Desviava dos transeuntes, preocupado em não trombar com ninguém, mas mais preocupado em chegar ao próximo ponto. Saltei as deformidades da calçada. Agradeci aos céus por não ter chovido, caso contrario, já teria quebrado todos os meus dentes na calçada. Podia até sentir o gosto da pedra na minha boca. Mordi os lábios, protegendo os dentes, mesmo sem necessidade.
Cortei caminho por becos, praças e até mesmo por canteiros de flores. Cheguei ofegante ao ponto. Esperei, arfando, o ônibus. Parado porem, ainda mais nervoso! O coração pulando para fora da caixa do peito. O ônibus tinha que chegar. Era crucial. Essencial. Eu não ia perdê-la. Não novamente. Tinha que falar com ela. Uma ultima vez.