segunda-feira, 29 de agosto de 2011

4- não sei o que!

Levantei conformado. Peguei meus pães e fui andando para o escritório em que eu costumo arranjar uns serviços. Comi um dos pães, enquanto ainda estava quentinho. Foi meu almoço.

Andei mais um pouco. Não. Eu não tinha me conformado. Eu queria aquela caderneta. Eu precisava dela. Sim, dela. A luz dos olhos coloridos daquela garota quase me segava. Eu não sabia por onde estava andando. Quase bati na porta do escritório. Um colega meu de infância trabalhava lá. Livrei-o já de alguns problemas quando ainda éramos crianças. E por isso eu podia contar com ele. Só para isso, imagino eu, era uma emergência. Fuji andando muito rápido (só para não dizer correndo) até um certo escritório, algumas quadras dali. Não sabia exatamente sua função, mais algo me dizia eu era de contabilidade.

Controlei-me para não puxar ele pelo colarinho e gritar. Acenei, ele olhou para mim e respondeu com um sinal de cabeça. “ Preciso da sua ajuda” eu falei com a voz meio tremula. Ele olhou para mim por cima da lente dos óculos. Que olhar era aquele? Incredibilidade? Má fé? Em fim, não tinha tempo para isso, o resto da frase veio naturalmente: “Preciso por um anuncio no jornal” ele pareceu meio surpreso “Vai me ajudar?” perguntei sem tentar parecer impaciente, apesar de estar.

Ele me ajudou. Não posso descrever os momentos de angustia que passei. A tarde toda esperando... Fazendo ligações. Forçando “obrigadas” até a voz ficar amarga. Mais finalmente, consegui publicar o seguinte anuncio:

“Procura-se aflitivamente um pobre caderninho azul que tem escrita na capa a palavra “endereços” e dentro está sujo, rabiscado e velho”.

Pequeno, mais não havia mais muito que se falar. Dei o endereço do meu apartamento. E fui buscar um café para o pessoal do escritório na rua de baixo em troca de alguns reais.

Quase não dormi. Até mesmo o dia 13 virou o dia do azar. Até mesmo o 13! Porque me abandonastes? Passei grande parte da noite olhando para o teto, e pensando naquela menina linda. Cada vês mais convencido deque ela fora um sonho.

Dia seguinte, acordei, fui até a pia gotejante e enferrujada do meu banheiro. Abri a torneira e esperei que a água marrom saísse para limpar a cara com a água beje-trasparente-claro. A água era estupidamente gelada, e fez com que eu sentisse dor na ponta dos dedos por algum tempo. Mais não era maior do que a dor que eu sentia por dentro, como um caroço na garganta. Ela não era real?

Já era meio dia quando eu desci para a rua e ventava muito devido mudança de temperatura da hora do almoço. Almoço para os outros. Eu não ia comer. Não tinha fome.

Caminhei, meio desanimado, pelas ruas disformes e movimentadas, gélidas, cinzentas e antipáticas da cidade. Até o ponto de ônibus. Minha barba gelava o rosto, e não era espessa o suficiente para impedir que o vento batesse forte na minha cara. Enfiei as mãos no fundo dos bolsos e abaixei minha cara para dentro do casaco quase.

Escutei uma risada jovial. Eu conhecia aquela voz. Olhei para o lado. Lá estava ela, com sua boina portuguesa amarela, um jornal debaixo do braço e uma caderneta azul na mão. Ela estendeu a caderneta para mim. “Esqueceu isso ontem no ônibus”. Eu ia começar a agradecer sem parar, então ela me mostrou o anúncio no jornal. O meu anúncio. Riu mais um pouco e completou “Não está só sujo e rabiscado, tem uns desenhos e umas observações bem interessantes ai dentro”.

Eu estava perplexo. Quase boquiaberto. Eu não conseguia me concentrar olhando para ela. E não conseguia conceber que ela tenha lido o conteúdo de dentro do meu caderninho (graças a Deus, não escrevi nada sobre ela lá dentro). Tão extasiado, tão nervoso, que só consegui balbuciar um “obrigado” débil, enquanto a porta do ônibus se fechava e ele sumia na esquina. Deixando-me para trás, com a caderneta azul na mão.

Senti como se tivesse levado um soco. No completo vácuo. Olhei para a caderneta. Sim ela era real. Senti o sangue subia até minha cabeça, em um estopim de adrenalina. Agora já não sentia mais frio. Comecei a correr o mais rápido que pude. Desviava dos transeuntes, preocupado em não trombar com ninguém, mas mais preocupado em chegar ao próximo ponto. Saltei as deformidades da calçada. Agradeci aos céus por não ter chovido, caso contrario, já teria quebrado todos os meus dentes na calçada. Podia até sentir o gosto da pedra na minha boca. Mordi os lábios, protegendo os dentes, mesmo sem necessidade.

Cortei caminho por becos, praças e até mesmo por canteiros de flores. Cheguei ofegante ao ponto. Esperei, arfando, o ônibus. Parado porem, ainda mais nervoso! O coração pulando para fora da caixa do peito. O ônibus tinha que chegar. Era crucial. Essencial. Eu não ia perdê-la. Não novamente. Tinha que falar com ela. Uma ultima vez.

sábado, 20 de agosto de 2011

3- caderninho azul

Ela olhou pra mim de novo, eu não parei de olhar. Ela sorriu, eu sorri. “Dia treze” ela disse. Eu não sabia o que falar, porque tinha medo de parecer idiota. Eu concordei com a cabeça. Senti que não era o suficiente “é... acredita em azar?” completei medindo bem minhas palavras. “Não...” ela respondeu “só em sorte”. Um silêncio nos seguiu. Eu gostava do silêncio porque eu podia olhar pra ela, mais não gostava porque eu queria escutar a voz dela. E me sentia importante quando ela olhava pra mim. Ia tentar algo arriscado. Algo que excedia todas as minhas expectativas. Um salto mortal em um precipício infinitamente profundo. “Você me passaria seu telefone, por favor?”. Não esperava que ela passasse o telefone dela realmente. E mesmo que sim, eu não ia ligar pra ela, não costumo usar telefones. Não muito. O fato era que eu tentava puxar assunto, e subir um degrau do nível do nosso relacionamento para talvez o início de uma amizade, mais isso era chutar alto. Ela me passou um número de telefone. Que eu anotei com as mãos débeis devido ao movimento do ônibus em minha caderneta azul. Meio preocupado com os pães, meio preocupado com minhas anotações. Infelizmente, o ônibus se aproximava do ponto, e eu sentia meu coração esmilinguir. Era um adeus. Desci do ônibus. Olhei ele sumir na esquina, lá dentro ia embora a coisa mais linda que eu vi na vida. Era como se fosse um sonho. Como se nada na via pudesse ser tão bom quanto escutar a voz dela, e vê-la nos olhos.

Mas graças aos céus, eu tinha uma coisa. Uma coisa que era a prova de sua existência. Uma coisa para me lembrar, nesse gélido inverno, que ela sorriu para mim. Apalpei meu bolso em busca de minha caderneta. Não estava em meu bolso direito, naturalmente, eu sou destro. Troquei os pães de mão. Apalpei o bolso esquerdo. Também não estava lá! Me desesperei. Quase joguei os pães no chão para enfiar as duas mãos nos bolsos. Eu sentei no chão, deixei os pães bem protegidos e procurei em cada bolso interno, em cada fundo de meia, até mesmo dentro da cueca. Não estava em lugar nem um. Eu esqueci no ônibus. Perdida, agora sim, para sempre.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

2- No ponto do onibus

Andei mais uma ou duas quadras, protegido de qualquer desventura pela mágica do dia 13. Parei no ponto de ônibus. Aquele lugar meio cálido, meio sujo e meio desconfortável. Menos quando chove o que acontece com certa freqüência. Daí o ponto de ônibus se torna confortável. Quando eu cheguei no ponto de ônibus, ninguém que estava lá olhou para mim. O que era legal, porque eu podia olhar elas sem medo de quem me notassem. Deviam ter umas quatro pessoas lá. Dei uma olhada por cima, porem, meu olhar se estagnou em uma pessoa só. Nela.

Era uma garota. Muito bonita, devia ter seus dezessete anos de idade. Ela chamava atenção, era como se ela iluminasse o canto do ponto em que ela estava escorada. Ela olhou pra mim, e ela tinha olhos lindos, coloridos, com jeito de gato. Mais eu não podia olhar para eles por muito tempo. Não queria que ela se assustasse comigo. Mudei a direção do olhar, disfarçadamente. Olhei para a esquina. Meu ônibus já estava chegando. Mais alguma outra pessoa chamou ele. Não notei quem, não queria virar meu pescoço para aquele lado, para não me prender novamente nela. Seria melhor assim, se eu nunca mais a visse na vida, para não me acostumar com esse tipo de beleza, que eu não ia conseguir encontrar em lugar nem um. Mais eu estou sendo exagerado não estou?

Entrei no ônibus meio empurrado, evitando para não empurrar quem viesse na minha frente. Enfiei as mãos no bolso, pegando as moedas que me restavam. “Faltam dois” disse a cobradora. Eu gelei. Não tinha dinheiro para o ônibus. Dois! Sempre dois! Se três é um numero da sorte, dois é um numero do azar. Já estava pronto para sair do ônibus quando uma mão pequena e delicada colocou duas moedas na mão da cobradora, segui o braço que passava por trás de mim e encontrei os olhos novamente. Passei, meio de costas, pela catraca, enquanto ela pagava a própria passagem. “Muito obrigado” eu disse. “Muito obrigado mesmo”. Ela sorriu. Agora não tinha mais jeito, eu estava apaixonado. “Não foi nada” Ela respondeu, com a voz meio baixa, quase rouca. Linda. “Não, sério, muito obrigada” eu repeti, por uma última vez.

Eu sentei, rápido, em um banco que estava vazio, ela sentou do outro lado do corredor, paralela a mim. Eu olhei para ela novamente. Estava usando uma boina portuguesa amarela. Os cabelos, castanhos escuro, Chanel. Uma jaquetinha preta. Por baixo, um vestido de crochê cinzento. Meia calça escura e os impecáveis sapatinhos de boneca. Ela parecia mesmo uma boneca. Com a pele tão branca, olhos brilhantes com os cílios negros e compridos. Eu não queria ficar encarando. Mais não conseguia. Simplesmente não conseguia. Não podia desviar os olhos dela. Sobre tudo dos olhos dela.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

1- dia 13

Terça feira, 13 de junho de 1993. Mais especificamente, anteontem. Andava nas ruas, meio displicente.Deviam ser umas oito da manhã, estava todo mundo, aparentemente, acordado, manos eu, e ninguém parecia notar isso, o que é muito natural, uma vez que não é comum que as pessoas apressadas do centro notem nas outras, em mim, muito menos. O fato era que eu andava em pleno centro da cidade exatamente como avia acordado há poucos minutos. Poucos mesmo,cinco no maximo, mais em fim. Tinha o cabelo despenteado e a barba por fazer. As roupas grudavam no meu corpo, meladas, do suor noturno. Eu não uso pijama para dormir. Durmo de casaco, pois meu apartamento encana vento, é mais frio do que na rua.

Uso uma regata (não sei bem dizer a cor) uma blusa de lã grossa, e um casaco de lona, que vai até meus joelhos, demasiadamente comprido nas mangas, semelhante há uma capa de chuva, tirando que é um tanto permeável. Um tanto ,diga-se muito. Uso jeans surrados, botas com a sola quase soltando, compridas, luvas de dedo esfarrapadas, e um cachecol. As vezes uma boina, que eu ganhei, ainda moleque, do meu pai.

Olhei meu reflexo na vitrine de uma loja se sapatos. Como tenho cabelos e olhos escuros não consegui vê-los com muita nitidez, mais mesmo assim, consegui tirar a sujeira matinal dos meus olhos. Alguém de dentro da loja me olhou, por de dentro da vitrine. E eu saí, constrangido, meio correndo, para longe dali. Mais exatamente, até a padaria. Quando entrei no estabelecimento, já me dirigi a fila do pão amanhecido. Não me importo em comer o pão duro, pelo contrario, quando como, penso que impedi que a comida fosse jogada fora. Pego o pão quentinho, naqueles sacos de papelão, ele fica mais quietinho da segunda vez que sai do forno. Infelizmente minha intimidade com o pão é cruelmente cortada pelo olhar gélido da balconista. Mais gélido que a rua, ainda mais gélido que o meu apartamento. “Já ta na hora de pagar o que você deve em? Já fazem quase três semanas...” Antes eu ela termine, eu enfio a mão nos bolsos e tiro uma porção de moedas lá de dentro. Começo a contá-las. Mais eu me perco já na terceira moeda. Sou péssimo em matemática. Talvez por isso nunca encontre um emprego descente. Ou por isso não pare em nem um deles. “Quanto eu devo mesmo?” pergunto para encobrir minha aparente confusão. Ela suspira, impaciente, “Cinco” eu entrego metade das moedas. Ela conta, e por um segundo eu achei que ela fosse cuspir na minha cara “ainda faltam dois.” Ela fala ríspida. “ Eu pago amanha, ou depois, eu prometo” Digo, com toda a sinceridade do meu coração, apesar de não ser convincente. Eu pego a minha cadernetinha, que Ra para ser de endereços mais eu não uso pra isso. Uso pra tudo, menos isso. Anotei lá; Dois reais para a padaria da esquina. Procurei um canto para por a data. Mais não sabia que dia era hoje. Levantei os olhos para perguntar para a balconista, mais derrepente, me senti meio desconfortável para isso, meio inseguro. Engoli em seco e perguntei “Que dia é hoje?” ela me apontou um pequeno calendário de papel. Dia 13. Sorri e anotei em minha cadernetinha azul.

Dia ao contrario das outras pessoas é meu dia de sorte, brincadeiras a parte, deve ser porque todos os outros dias são dias do azar para mim. Não sou lá dos mais sortudos.

domingo, 7 de agosto de 2011

Perola do Jô;

Segunda guerra mundial;

Toda criança que nascia morta era sacrificada