segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Rua Canário

 Era uma manhã de verão como muitas outras. O sol estava brilhando alto, havia uma sinfonia de passarinhos cantando e o mato estava impregnando o ar com um aroma verde e vivo. A casa da Rua Canário era pequena e sempre estava cheia de gente. Era uma casa térrea com o piso todo de lajota de cerâmica vermelha daquelas ásperas, antigas. Os móveis eram feitos de palha trançada e tinham cheiro de guardado. O jardim de trás era grande, haviam três sombreiros plantados por lá, os muros eram cobertos de unha de gato e uma trepadeira de alamanda amarela crescia solitária bem aos fundos do jardim. O jardim da frente era ocupado principalmente por uma varanda onde estendíamos até cinco redes de uma vez só. Um dos problemas frequentes da varanda era o guano dos morcegos que deixava a parede que ia de encontro ao teto pintada de vermelho, devido ao fruto dos sobreiros.  Aquela varanda dava de frente para um pequeno jardim com um sombreiro plantado e uma cerca viva de hibiscos carmim. Ali na frente era possível observar cambacicas de barriga amarela com suas mascaras pretas bicando os hibiscos, uma profusão de beija-flores coloridos e de todos os tamanhos além de, claro, os canarinhos-da-terra amarelinhos de testa alaranjada que tomavam banho na estrada de terra esburacada da frente da casa. Eles costumavam ficar no portão de ripas de madeira, que devia ter meio metro de altura, espiando para dentro de casa enquanto eu espiava eles da varanda.

Como de costume eu tomei um copo de nescau e comi duas fatias de pão, uma com manteiga e outra com mel. Esse café da manhã era o suficiente para me manter em uma manhã ativa nos entornos do balneário dos Amigos do Banco Bamirindos Uirapuru, ou ABU, para ser mais simples.

De manhã costumávamos ir todos juntos para a praia. Meus avós, meus pais, minha tia Mirna, meus dois tios, minha irmã mais velha e eu.

Para ir a praia saíamos munidos de um guarda-sol algumas cadeiras e obviamente, um par de baldinhos com pazinhas de plástico para fazer castelos de areia. Saiamos da casa e seguíamos na rua canário onde tínhamos que cruzar com mais duas estradas de terra antes de encontrar uma restinga vasta, com salsa da praia se alastrando pelo chão cheia de flores roxas e tocas de coruja buraqueira que estavam sempre por ali, piando para quem passava. Havia um campo de futebol de areia e um quiosque também, mas eu não frequentava muito esses lugares.

Depois de pular a areia fofa escaldante que cozinhava a sola do pé, chegávamos a praia onde uns bons trinta metros de areia davam para o mar itapoense de água escura e ondas baixas e desordenadas.

Foi naquele dia que meu avô pegou na minha mão e caminhou comigo até o mar. Meu vô era um homem baixo e largo. Tinha a cabeça grande e quadrada, o cabelo castanho bem grosso penteado pra trás. Tinha o nariz quebrado,  grudado no rosto, caído e largo. Seus olhos eram acinzentados e semicerrados pela idade. A pele do rosto e braços era avermelhada enquanto a da barriga era branca. Por falar na barriga ela era proeminente e possuía uma impressionante cicatriz vermelha que vinha do meio do peito até o umbigo. Ele me dizia que ficou com aquela cicatriz por que ele comia sem lavar as mãos quando era criança então toda a sujeira se acumulou e virou uma pedra na sua barriga que ele teve que fazer uma cirurgia para tirar. Com o tempo eu soube que ele tirou uma pedra da vesícula e naquela época as cirurgias eram bem mais invasivas.

Meu vô me levou para dentro do mar pela mão. Conforme ia ficando mais fundo as ondas iam batendo e ele puxava meu braço para que minha cabeça ficasse sobre as ondas. Até que eu não conseguia mais encostar o pé no chão. Então ele me pegou no colo e me levou até a arrebentação parar, onde o mar ela calmo.

La, ele me colocou deitada na água e falou para eu encher minha barriga com ar. Para eu deixar meus braços, pernas e cabeça moles. E foi assim, em poucos minutos eu estava boiando e meu avô levantou as mãos para que eu visse que estava boiando sozinha. Daquela forma, quando eu estivesse no mar, mesmo que uma onda me puxasse, eu não me afogaria. Desde então, eu não tenho medo do mar.

Sempre que eu vejo o mar, em qualquer lugar do mundo que eu esteja, eu lembro do meu avô.



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