Vi o ônibus dobrando a esquina. Dei um pulo. Fiz sinal para ele parar, meio tímido. Retrai o braço aliviado, por não ficar mais naquela posição que chamava tanta atenção, e porque o ônibus estava logo ali. Não tinha corrido toda a quadra em alguns segundos em vão.
Catei o dinheiro para o ônibus, o dinheiro que eu tinha ganhado ontem. Dei tudo para a cobradora. Ela me devolveu mais da metade.
Dirigi o olhar para o interior do ônibus procurando-a. Não foi difícil de achar. Logo vi os olhos coloridos que olhavam para mim. Agarrei-me em um banco, quando o ônibus começou a entrar em movimento. Era incrível como ela chamava atenção. Tão discreta. Só os olhos voltados em minha direção. Não era ela, era o ar envolta dela. Como se o sol estivesse sempre vindo por detrás dela.
Sorri. Eu estava feliz. Feliz por vê-la de novo. Tão surreal. Tão real. Eu estava cegamente apaixonado. Respirei fundo. Teria coragem de falar com ela? O que eu deveria falar? A timidez tomava conta de mim.
Sentei-me paralelo a ela, na outra fileira. Abri a boca para falar com ela, as palavras me escapavam. Minha boca estava seca. “Hum...” comecei a falar ela se virou para mim. Tão linda. “ Eu não tive tempo de agradecer por ter pego meu caderno.” Ela continuou olhando para mim, e eu me vi na obrigação de falar mais “Então, obrigado. Muito obrigada mesmo, foi muito...” ela sorriu “...gentil...” ela continuou sorrindo. Tão linda em cada detalhe, ela parecia ainda mais linda do que ontem “... da sua parte...”. Ela riu, tinha uma risada baixa e linda. Só mostrava os dentes de cima quando ria. Ela tinha uma boca de boneca; pequena, com os lábios superiores finos e os de baixo carnudos, avermelhados, que se moviam com graça enquanto ela dizia; “Não foi nada” Ela ainda olhava para mim. “Posso te fazer uma pergunta?”
Agora e me encontrava em uma situação difícil. O que ela queria saber? Eu ia conseguir responder? Será que ela estava se preparando para zombar de mim? O que ela ia querer comigo? Para todos os efeitos, a pergunta dela só tinha uma resposta. “uhum” respondi, positivamente. Ela saiu do banco da janela e veio para o banco do corredor. Agora estávamos a um corredor de ônibus de distancia. Tão perto. Mais tão longe. Piegas eu sei. Mais um dia todos hão de passar por uma situação assim e irão me entender. “porque você publicou o desaparecimento do seu caderno no jornal. Quer dizer, o que tem de tão especial nele?”. Engoli em seco. O que eu devia responder agora? Não tinha nada de útil nele, tirando é claro, o que se relacionava a ela. “Bem...” eu estava tentando inventar alguma coisa quando ela disse “Estou sendo inconveniente? Desculpe...” ela pareceu meio retraída, mais tímida “Não, não, não é isso não. Não...” ela voltou a me ouvir, atenta. “ Quer dizer, você leu ele não leu? Aqui dentro tem...” Os olhos de gato me hipnotizavam. Tinha que me concentrar no que eu estava falando, o mínimo erro e seria adeus. “... Minhas dividas.” Foi o melhor que eu encontrei na hora. Não preciso dizer tudo que me passou na cabeça, respostas melhores, e mais de mil motivos para não ter usado essa desculpa.
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